Copo de 3: Rascunho de um Jantar

19 junho 2011

Rascunho de um Jantar

Se há coisa que gosto mesmo muito é ter a mesa cheia de Amigos (daqueles com A grande, que um gajo estima e aprende sempre qualquer coisa) à sua volta. Depois venham as tapas do mar ou as tapas da terra, venha tudo aquilo a que tivermos direito... conversa sempre animada, vinhos sempre tapados que a malta gosta de se divertir nas divagações sobre de onde será ou que coisa será aquela que antes não cheirava bem e depois começou a dominar todos os outros... apenas um enofilar brincalhão longe daqueles artistas de circo que fazem da arte do adivinhar uma suposta mais valia.
Neste tipo de rascunho, a coisa começou de forma doce, o tal BD 2010 que arrisco a dizer fomos dos primeiros a provar uma vez que vai agora entrar no mercado e veio do Alentejo, ali da zona de Estremoz feito pelo Tiago Cabaço, um branco doce e cheiroso de bons modos com boa gulodice, daqueles que se sorvem (gosto deste verbo, mesmo à lambão ali esticado na esplanada a sorver fortemente o copo para incomodar o vizinho da mesa ao lado, sabe bem, ao mesmo tempo que se vai abocanhando, outro verbo bonito, umas gambas em tomate) bem frescos na esplanada da praia e que bem que sabem, elas adoram e este mostra-se com uma acidez muito sua, presente e refrescante... bom de cheirar e de beber, com a doçura redonda na boca a despedir-se calmamente.
Enquanto o fantástico Boffard Reserva se ia terminando na mesa, para mim dos melhores exemplares a serem produzidos em Espanha, queijo com cura superior a 8 meses... e que conquista quem o come, serviu-se uma Sopita de Garoupa bem perfumada para acompanhar um Dona Berta Reserva Vinha Centenária 2009 que quando servido deu que falar na mesa, realmente o branco acabou por pecar... pecou com o aumento da temperatura e do tempo no copo, perdeu-se completamente sem nunca mais se encontrar, uma pena pois até prometia bastante mas a verdade é que aos poucos foi morrendo na boca e perdendo o final que tinha quando servido bem fresco... no aroma tem a sua austeridade mineral com vegetal e fruta madura, sem madeiras a implicar mas no seu todo mostra-se algo manso, sem o nervo que já tantas vezes encontrei nos Rabigato deste mesmo produtor, aquela pujança de vinho novo que permite olhar para o futuro sem medo... não foi obviamente o que se encontrou ontem, pessoalmente a colheita anterior mostrou-se bem melhor.
Passou-se para os tintos, tudo década de 90 com os vinhos a serem servidos em prova cega nas calmas para se poder apreciar evoluções, estilos... os dois primeiros que me caíram nos copos foram os que menos gostei, apesar da evolução que iriam ter mais um que outro, mas caídos muito caídos mesmo... e novamente os tugas a serem nobremente sovados pela legião estrangeira. O primeiro seria o Quinta do Vale Meão 1999, quase mudo, complicado tal o novelo de aromas confusos que andavam por ali embrenhados, pouco limpo de aromas, nada cativante e fora do que já foi... desconjuntado e o menos interessante da noite, foi mesmo o primeiro a desaparecer dos copos directamente para o balde. O segundo vinho mostrou-se mais maduro, um pouquinho mais esclarecido embora já com fruta passificada lá pelo meio... duro e nada a ver com o que eram quando saíram para o mercado, um Douro, confuso também ele... ao contrário do Meão este melhorou ligeiramente, soube desenvolver algo no copo... tardiamente pois também ele foi parar ao balde... sim o Balde do Castigo não perdoa e o Batuta 1999 não resistiu.
Mais um vinho que se ia cheirando e provando, este muito mais esclarecido, enorme classe, a abrir os braços para medir as paredes do copo... fruta fresca, bouquet luxuoso, frescura... porra que coisa tão boa, é como o perfume que quando é de qualidade não engana. Conversa puxa conversa e afinal o que se queria era falar deste vinho... enorme por sinal, a mim ficou-me um sorriso parvo no rosto, ao amigo da frente esbugalharam-se os olhos por um instante... ai que magano o Artadi Viña del Pison 1998.
Saltaram mais dois tintos para a mesa, mais surpresa a caminho, perfis escondidos debaixo de uma capa prateada... um deles uma autêntica automotora de força e pujança pelas ventas dos convivas, raçudo, com o toque de animal a fazer estremecer o copo, faz parte pois claro não é defeito é mesmo assim e que assim é que se faz gostar, evoluir, dançar, força do químico com fruta madura limpa e fresca, cheirava os outros e voltava a este para ser atropelado pela bendita automotora de faróis acesos... tanto nervo, taninos e acidez a darem à vontade mais uns 10 anos de vida ao dito cujo, veio do Rhone... Château de Fonsalette Reserve Syrah 1999. O outro que seria o último era o mais fino, mais delicado mas com vigor associado, chama-se classe ouvia-se do outro lado da mesa, inegável pensei eu, Chateau Leoville Las Cases 1998, tic tac de Bordéus, que grande espadachim... mestria no trato, frescura, taninos presentes mais polidos que no anterior, diferença que se nota... sem falhas. Dos que já provei de Bordéus fiquei com melhores recordações de outro nome... este também me deixou satisfeito e feliz, tem classe e acima de tudo... passados 13 anos ainda gosta de se bandear no copo. Abriu-se um fugaz Alonso del Yerro 2008 já no finalmente, claramente a destoar, novíssimo em folha, a fruta acabada de tirar da árvore, puto raçudo pronto para a briga... tem estofo, nervo, mestria na qualidade da matéria prima desde as uvas à barrica, quem sabe sabe... na boca frescura com presença em grande estilo, tem tudo para daqui a uns anos se mostrar de forma grandiosa. A noite já ia longa... fechámos a conversa e com um sorriso no rosto dissemos obrigado.

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