Copo de 3: outubro 2011

23 outubro 2011

Tapada de Coelheiros 1996

Convém desmistificar desde já que aquela ladainha de que os vinhos do Alentejo não sabem envelhecer é pura mentira. E como qualquer conversa que não passa de uma mentira,  nas bocas certas e levada à repetição exaustiva faz com que de mentira passe rapidamente a verdade. O consumidor incauto é quem paga e levado no engodo é empurrado para outras zonas que na altura seriam mais aliciantes de promover, digo promover porque em determinadas alturas mais parece que se quer promover a região do que "questionar" o vinho que se tem no copo. Nunca fui pessoa de dar ouvidos a gente dessa, sempre tive a sorte de ir acompanhando alguns projectos e respectiva evolução dos seus vinhos, o certo é que uma grande fatia dos vinhos mais entusiasmantes com idade que são neste momento bebidos com enorme prazer, são do Alentejo. A verdade não deve envergonhar e nomes como os antigos Mouchão, Quinta do Carmo Garrafeira, José de Sousa Tinto Velho, Coop da Granja, Montes Claros, Tapada do Chaves "Frangoneiro", Coop Portalegre... com a sua respeitável idade são vinhos que passados 15 20 anos dão uma prova notável... provando que o que era e continua a ser dito por alguns não passa de uma enorme mentira.

Dentro do lote dos veneráveis temos o Tapada de Coelheiros, onde a mestria do enólogo António Saramago o fez brilhar e elevar ao estatuto mais alto dos vinhos do Alentejo, o nome Tapada de Coelheiros é nome de respeito, a qualidade que ostentou no passado disso foi responsável, a marca deixada pelos primeiros Garrafeira fez com que um novo capítulo fosse escrito, quem é que ficou indiferente ao Tapada de Coelheiros Garrafeira 1996 ? Nos tintos Tapada de Coelheiros posso dizer que havia (infelizmente nos dias de hoje a coisa tem vindo a mudar) uma identidade a fazer lembrar Bordéus, fruto dos ensinamentos que teve o Mestre António Saramago quando estudou na dita região e que sabiamente soube interpretar e transmitir para os seus vinhos, cunho forte esse que perdura no tempo... tal como a grande parte dos seus vinhos, daqueles que quando novos são algo rudes e a precisar de tempo, taninos fortes, secura na boca, fruta carregada de sabor e tantas vezes encerrada em si mesmo, estruturados e com aquela capacidade maravilhosa de se aguentarem em garrafeira durante longos anos. Mas atenção, no Alentejo também se andam a fazer vinhos de agrado fácil e autênticos sprinters pagos a peso de ouro, vinhos sem alma e pejados de coisas amontoadas, tanto que recentemente numa prova de dois "grandes"  um Alentejo e um Douro... colheita 2003, se mostraram cansados e sem força de viver, a qualidade a fugir em grande escala ao preço que por eles é pedido e que vai para bem perto dos 40€ por garrafa.

Aqui mais uma vez entra em jogo um vinho com idade, neste caso 15 anos deste Tapada de Coelheiros 1996, aquele que secretamente venceu a talha de ouro da Confraria mas que apenas a ostentou quando levou um pouco mais de estágio e se apelidou de Garrafeira... um tinto que recorda os traços de alguns Bordéus mas com alma alentejana... é vinho dos grandes. Bouquet complexo e refinado, com frescura notável para a idade, especiaria e carga de vegetal não seco com fruta de caroço, algum licor a acompanhar e com toque de fumo, tabaco e bálsamo/floral suave a madeira vai para muito que se integrou e muito bem, todo ele muito sério, sóbrio e com saber estar, a pedir comida do tipo perdiz estufada. Na boca tem uma belíssima frescura, fruta a sentir-se de igual forma, com aquele pingo doce natural e o travo vegetal, bom especiado a surgir, travo de cacau, tabaco seco, pede comida por perto pois claro, depois complementa-se com muito sabor e prazer, tudo sem notas de estar cansado, de bengala ou a precisar de ir ao médico. São 15 anos num vinho de respeito e veneração... aqui não moram nem compotas nem madeiras a exalar baunilha em excesso nem doses de açúcar que nos deixam enjoados ao final do primeiro copo, aqui mora o saber, a paixão e mestria colocada por um dos Mestres da Enologia em Portugal.

José Maria da Fonseca Evento Wine Bloggers


Digam o que disserem, pensem o que pensarem a verdade é que a comunidade de wine bloggers tem vindo a crescer e a ganhar cada vez mais consistência e importância junto dos eno-consumidores e por seu turno junto dos produtores de vinho. O trabalho totalmente independente e sem cabos de ligação à máquina dá uma total liberdade aos bloggers de vinho, a tal voz do consumidor para o consumidor, a tal voz de alguém que comunica directamente com os seus sem ostentar galões de qualquer coisa.Fala-se abertamente, fala-se sobre o que se quer, avalia-se livremente o que se quer, escreve-se por gosto e não por obrigação, são vozes e palavras visitadas a nível global e não local, por milhares de pessoas que em número suplantam qualquer edição revisteira... sim são os eno-bloggers e vieram para ficar. Grande parte dos produtores nacionais começam a dar a importância que esse grupo veio a construir e a merecer com o passar do tempo, hoje em dia é já uma confirmação e para mim é um orgulho e uma enorme alegria quando vejo todo esse trabalho ser recompensado desta forma.

Foi no passado dia 22 de Outubro que o produtor José Maria da Fonseca abriu portas para receber os Wine Bloggers realizando um evento dedicado aos mesmos a fim de poderem provar as mais recentes novidades no mercado, conhecerem a sua história e respectivas instalações, seguido de um almoço de convívio cheio de enormes surpresas. Para mim seria a segunda vez que ali entrava, rever todo aquele património único no Mundo, respira-se história em cada recanto, o conhecer mais do que os vinhos mas sim as instalações é uma obrigação para qualquer enófilo, desde passar pela sala onde repousam os Torna Viagem, admirar a Casa das Bonecas ou vaguear pelas várias adegas, desde a imponente Adega do Periquita até à escura e misteriosa Adega dos Teares Velhos onde repousa a Frasqueira.

Como todo o Peregrino de Santiago o chegar ao destino, ao final do Camino e aquele estar-se perante a Catedral é um preencher de alma enorme, um completar de uma vontade... o poder percorrer aquela a que considero a Catedral do Vinho Moscatel vulgo Adega dos Teares Velhos é uma dessas mecas enófilas... eu enófilo me confesso, pois é um daqueles locais especiais que estamos fartos de ver em livros e revistas, que aparecem na TV mas que depois quando lá chegamos sentimos que um tal vazio se preencheu. O que ali mora são sem sombra de dúvida vinhos de status Mundial, não me venham com a conversa do melhor do mundo só porque tem um selo colado na garrafa... não, é mentira, os Melhores do Mundo moram naquela fantasiosa escuridão, naquelas madeiras velhas que respiram décadas com sonhos por engarrafar ou servir de base para outros tantos sonhos bons que qualquer enófilo gosta e quer ter nem que seja por uma vez na vida.

A prova de vinhos contou com a presença do Engº Domingos Soares Franco, que guiou todos os presentes pelos melhores vinhos da casa, novos lançamentos ou vinhos já no mercado, desde os brancos aos tintos, pelo meio dois curiosos e estimulantes tira teimas acerca da casta Verdelho Vs Verdejo e outro onde deu para comparar as diferenças de fermentação da casta Grand Noir em Lagar, Cuba e Talha, terminaríamos as provas com Moscatel e Bastardinho. O evento iria terminar num almoço de confraternização, acompanhado por 3 ícones da casa e onde iríamos ter uma enorme surpresa e um verdadeiro privilégio, que deixou a todos com um enorme sorriso na cara, mas tudo isto será contado no seu devido tempo com direito a artigo próprio. 

Para finalizar quero deixar os meus mais sinceros agradecimentos à empresa José Maria da Fonseca, no nome de Sofia Soares Franco e do Engº Domingos Soares Franco pelo fantástico dia que me proporcionaram.

03 outubro 2011

Encontrões de Vinho nunca mais...

Ocorreu na passada sexta feira e sábado o Vinhos do Alentejo em Lisboa, localizado numa espécie de barraco/tenda ali para os lados do CCB. Como no ano passado, voltei a ir, levei o meu copo de estimação que vai para alguns anos me acompanha nestas festividades. A tentativa de chegar cedo meteu-me à porta por volta das 16.30 , tendo aberto o recinto pelas 15.00 horas. A fila de pessoas à porta já se fazia notar, apenas uma porta, nem dupla mas sim apenas e só uma porta para uma pessoa passar que dava como entrada e como saída sem que se conseguisse passar calmamente ou mesmo com o carrinho do meu filho, tal o aperto... comecei aqui a torcer o nariz. Afinal de contas até tinha sido convidado pela própria CVRA pelo que não fazia qualquer sentido estar à espera numa fila que se destinava simplesmente a pagar uma entrada de 3€ com direito a copo. Se para conseguir passar foi a confusão que se sabe, ainda fui interpelado pois deveria estar na fila como todos os outros, lá dentro a coisa foi ainda pior pois de imediato fui barrado por um valente armário de duas portas que me mandou apresentar o bilhete ao que respondi que tinha convite. Como burro de duas portas não aprende e como quem não tem cartão não entra e ali o consumo mínimo obrigatório era de 3€ fui então encaminhado gentilmente para a caixa onde expliquei a situação. A menina não compreendeu e perguntou de quem era o convite, eu expliquei quem era e disse de quem era o convite, entretanto com o tempo a passar lá deixaram a minha mulher entrar com o pequenito, a piquena da caixa iluminada na inteligência entendeu que os meus convites afinal não eram convites... eram apenas mails de informação e como tal tinha de pagar dois copos (a minha mulher não ia beber mas tinha de pagar na mesma pelo que perguntei se o miúdo como não bebia também tinha de pagar) e tinha de voltar à fila... o armário de duas portas entretanto não tirava os olhos de mim, seria amor ?... comecei de certo modo a sentir-me pressionado, observado e a entrar em fusão... encontrei ali bem perto o responsável pela organização que amavelmente me indicou a zona de PRESS (existia e estava tão bem indicada que se resumia a um papel A4 no balcão num cantinho lá escondido)... onde tentei ir com alguma press para não ser agarrado pelo tal armário... na zona de Press lá tinham o meu nome e o da Margarida. Perdi nisto uns bons 30 minutos... na volta quase que esfreguei os cartões da Press nas trombas do Sr. Armário, nem um desculpe pela minha estupidez tive direito a ouvir. Comecei desta forma as provas com mau humor, coisa que detesto e que me estraga por completo a vontade de provar... Lá dentro o barulho, o palco para um grupo tocar que ocupava 1/3 do espaço, o espaço que mais uma vez se torna pequeno para tanta gente uma imagem de marca da Essência do Vinho que consegue sempre fazer eventos em espaços mais pequenos do que o número de pessoas que leva, a cara de frete de algumas pessoas que serviam vinhos, a falta de esclarecimentos sobre os mesmos, ali o telefonema era mais importante que a pessoa que estava a ser servida, os encostos, o roça roça das pessoas umas nas outras, o estar de conversa e levar um encosto de alguém que diz sirva um qualquer desde que seja bom... Encontrões da Essência ? Tenho sérias dúvidas se me voltam a apanhar em mais algum.

TAYLOR´S VINTAGE 2009


A Taylor Fladgate & Yeatman foi fundada em 1692 e desde sempre esteve nas mãos da família. Esta é sem dúvida alguma uma das casas ícones de Vinho do Porto e cujos seus Vintages não deixam ninguém indiferente, eu pelo menos sou um devoto apreciador dos vinhos desta casa, seja vintage clássico ou no modelo single quinta, ou até mesmo no fabuloso 20 anos que tanto prazer me dá beber. Já agora, lembram-se do fantástico e histórico Taylor´s Scion, um colheita de 1885 que já aqui foi provado.

O vintage 2009 da Taylor’s é fruto do lote dos vinhos da Quinta de Vargellas, Quinta de Terra Feita e, desde 2000, também da terceira propriedade da empresa, a Quinta do Junco, que tem feito uma pequena contribuição para o lote, sendo o caso também este ano.

“Este ano produziu vinhos de enorme escala à semelhança dos icónicos vintages do início do século XX, que são vinhos feitos para durar”: Adrian Bridge (Director Geral da Fladgate Partnership)

Depois de ter provado lado a lado o Croft e o Fonseca, com o Taylor´s Vintage 2009 a conversa é outra, este Indiana Jones destemido e cheio de vontade de se aventurar pelas décadas de vida que tem pela frente, brinda-nos com um enorme abraço de fruta muito pura, também mais negra (framboesa e ameixa) que vermelha (cereja), ligeiramente mais adocicado que o Fonseca, mais dado embora mais fechado no diálogo que o Croft, toda ele fresco com alguns ainda que ligeiros toques de flores campestres, todo ele a situar-se entre o sorriso gingão do Croft e a seriedade do Fonseca, o mais harmonioso e por aqui é só coisas boas as que nos mete em cima da mesa, bálsamo, chocolate de leite na envolvente e sólida estrutura. Boca plena de sabores, replica o encontrado em nariz com chocolate, fruta madura que quase se trinca num longo final. É o que mais gostei e caramba que luxo de vinho. 97 pts

FONSECA VINTAGE 2009


Sempre que toco em vinhos deste calibre sinto-me pequenino, são colossos nascidos e adormecidos nas encostas do Douro, são vinhos que quando em novos são cheios e vigorosos, fruta jovem e expressiva quase que palpitante, sente-se a Primavera e o Verão, plenos de fruta fresca acabada de colher... para após décadas de clausura despertarem do sono cheios de complexidade e sabedoria, aromas mais serenos, mais de Outono e de Inverno, vinhos de contemplação enquanto em novos são vinhos de gulodice pegada. O Fonseca é um dos grandes, pertence a uma casa que desde 1822 se fez notar pela excelência dos seus Vintage. O lote desde Fonseca Vintage 2009 tem como base os vinhos da Quinta do Panascal e da Quinta do Cruzeiro e, em pequena quantidade, da Quinta de Santo António (a primeira vez que esta Quinta contribui para um vintage clássico).


Os vinhos de 2009 têm a maior concentração de cor e taninos que registamos nas duas últimas décadas. A fruta é igualmente de uma qualidade excepcional, notória nos opulentos aromas deste Vintage” : David Guimaraens (enólogo do grupo)

A prova do Fonseca Vintage 2009 dá a ilusão, e na verdade até o é, de ser um bocadinho mais séria que os restantes, do tipo caladinhos que o senhor Fonseca vai contar um conto e vamos ficar todos em silêncio para ouvirmos. O Sr. Fonseca é uma pessoa de estatuto social elevado, vigoroso e de elevada estatura, bem cheiroso, rico muito rico, veste um sobretudo negro, bigode farto e fuma o seu cachimbo enquanto nos conta um conto onde a fruta qual herói da história domina pela veia mais escura, frutos pretos (groselha e ameixa) de um caminho mais carregado e mais fechado, direi até mais complexo, sente-se um lado vegetal de caruma, chocolate negro e pimenta preta. Na boca todo ele mais seco e com menos harmonia que o Taylor´s e sem tanta gulodice como o Croft. Embora seja um conto pequeno, o Sr. Fonseca tem muito ainda que nos dizer, quem sabe daqui a umas décadas quando nos voltarmos a encontrar e aí talvez até a história seja outra. 96 pts

CROFT VINTAGE 2009

A Fladgate Partnership declarou vintage 2009 (a última declaração foi em 2007) para todas as suas casas Taylor’s, Fonseca e Croft no dia de São Jorge dia em que tradicionalmente anuncia a decisão... 23 de Abril, irá também engarrafar uma rara e ultra limitada quantidade de vintage Quinta de Vargellas Vinha Velha. Esta é a quarta declaração de Vintage por parte da Quinta da Roêda, desde que foi comprada pelo grupo Fladgate Partnership em 2001.

Um ano marcado pela baixa produtividade e época de maturação muito seca, é como 2009 será recordado. É também um ano de vinhos excepcionalmente densos e concentrados e com enorme potencial de envelhecimento. Os vinhos de 2009, são contudo impressionantes pela qualidade da fruta e por uma complexidade multidimensional.
“O regresso à pisa tradicional na Quinta da Roêda permitiu-nos conseguir o melhor dos vinhos de 2009. Fomos capazes de extrair toda a densidade e os maciços taninos, característicos deste ano, sem comprometer a complexidade e a elegância”  David Guimaraens (enólogo da Croft)
Provando o Croft Vintage 2009, dos três aquele que notei mais acessível e com menos concentração dando uma prova mais imediata, apesar da tenrura da idade. Com muita mas mesmo muito fruta madura com tendências vermelha (amora, cereja) a sobressair com enorme qualidade e limpeza, puríssima e de ouro, talvez o mais brincalhão dos três exemplares, notas de bálsamo entranhada pelo meio da fruta, adocicado que conjuga com uma acidez no ponto para que tudo fique certinho e direitinho, na boca é guloso, cheio e redondo e com taninos cordiais, será aquele que com mais facilidade se sacrifica para abrir agora num enorme deleite quase herético para muitos. 94 pts
 
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